Mãe Isabel, Neide do Divino e Mestre Alceu do Urucungos foram grandes fomentadores dos Pontos de Cultura em São Paulo

Texto: Miriam Gimenes

A história de uma sociedade é construída por gente. Em todos os setores, principalmente o da cultura, nomes se destacam e trabalham para fazer a roda girar, literalmente. E quando o assunto são os Pontos de Cultura do Estado de São Paulo, três ativistas culturais surgem como engrenagens importantes de todo este ciclo: Mãe Isabel, do Ponto de Cultura Caminhos, Neide do Divino, do Ponto de Cultura Ora Viva São Gonçalo e, por fim, Mestre Alceu dos Urucungos, do Ponto de Cultura Nos Caminhos de São Paulo.

Isabel Cristina Alves, ou Mãe Isabel do Oxóssi, uma das grandes homenageadas do evento Teia Digital SP, nasceu no Rio de Janeiro. Foi estilista da Griffe Criolê/Centro de Qualificação Profissional, que faz parte do Ponto de Cultura Caminhos e que se tornou referência no município de Hortolândia, na região de Campinas. Com seu trabalho, promoveu ações culturais, economia solidária, formação e qualificação da comunidade local, principalmente do grupo de mulheres, as quais incentivou a independência por meio de linhas, tecidos e bastidores. Também participou de ações com crianças e adolescentes, com a intenção de promover o empoderamento da comunidade, visando a sustentabilidade e geração de renda. 

Por conta de sua atuação no setor, a estilista foi integrante da Comissão Paulista de Pontos de Cultura, da Comissão Nacional da Rede de Pontos e do colegiado de moda do Ministério da Cultura, entre outras coisas. “Mãe Isabel é de extrema importância porque ela foi uma mulher preta de candomblé que desbravou o Brasil militando pela economia criativa, solidária, confrontando o pensamento eurocêntrico, capitalista. Foi uma mulher à frente do tempo, sonhadora, que sempre buscou o melhor para comunidade, sua família e ajudou a tecer essa teia cultural”, analisa Rodrigo Alves, sobrinho de Mãe Isabel, músico de terreiro, percussionista e coordenador do ponto de cultura atualmente. 

Para ele, lembrar de seu legado é importante para que não só a comunidade atendida nos arredores, mas todo o Estado saiba quem são os verdadeiros heróis e heroínas não lembrados nos livros escolares. “A matéria morreu (Mãe Isabel se foi em 2018), mas a história da pessoa e a contribuição tem de ser sempre dita. Todas as frentes criadas por Mãe Eleonora (mãe de Rodrigo) e Isabel, as atividades de gastronomia, dança e música afro, os empreendimentos de economia solidária e criativa, é um legado que foi deixado por ambas que a gente não pode permitir se perder no tempo.” Além da moda, o local promove a dança afro Oju Oba, do bloco de afoxé Oya Obirin Ode e oficinas que exploram a diversidade cultural das comunidades de terreiros.

Outro expoente dessa tríade cultural é Neide Rodrigues Gomes, conhecida por Neide do Divino, professora e pesquisadora especialista em folclore que criou o Ponto de Cultura Ora Viva São Gonçalo, em Joanópolis, onde trabalhou a tradição da viola caipira. Mário Jefferson Leite Mello, consultor organizacional do terceiro setor e ativista cultural, que gravou um documentário sobre a vida dela (O Legado – Neide do Divino ‘a Mestra), lembra que Neide marcou a trajetória de muitos trabalhadores da cultura. “Sempre foi engajada, Teve a faculdade de música dela e não ganhou dinheiro, porque não cobrava mensalidade da maior parte dos alunos. Foi uma das precursoras da introdução do Proac (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo) e também da Comissão Estadual do Folclore, tinha esse apego às garantias de manter as tradições. E, por opção, mudou-se para Joanópolis, onde iniciou o trabalho da Festa do Divino Espírito Santo.”

Com um início simplório, Mello diz que o festejo foi ganhando terreno e reuniu milhares de participantes. “Chegou a fazer intercâmbio com outras cidades, como São Luiz do Paraitinga, por exemplo, que mantém a tradição.” Ele também lembra que em vida ela vendeu imóveis e comprou uma área, onde ergueu o santuário dedicado ao Divino, onde também foi feito o Museu do Folclore. “Neide (que faleceu em 2019) deixou raízes profundas, porque tem toda uma história que não tem como apagar. A minha sala tem a imagem da Neide do Divino e o Divino Espírito Santo, para sempre lembrar dos ensinamentos que passou. Foi uma grande mestra, tinha uma bagagem como poucos, era uma historiadora. Quem trabalha na cultura sabe o quanto ela fez pelo setor no nosso Estado, no país.” 

O ativista cultural ressalta que o maior aprendizado que teve na convivência com Neide foi de que não precisa ser rico para fomentar a cultura e agregar novas pessoas. “Basta você querer passar o ensinamento, a pesquisa realizada. E o que você aprendeu é seu, é teu legado. Aprendi muito sobre o trabalho em rede, ela sempre fez muito isso.”

E, por fim, para fechar a lista dos homenageados, lembramos a trajetória de Alceu José Estevam, o Mestre Alceu do Urucungos, uma das referências do Programa Cultura Viva no país. Ele foi um dos fundadores do grupo de dança e teatro de cultura popular Urucungos Puítas e Quijengues, ator, fomentador de manifestações populares e de afrodescendência e, por muito tempo, coordenou o Ponto de Cultura Nos Caminhos de São Paulo, na região de Campo Grande, em Campinas, onde trabalhou para manter viva a tradição dos sambas rurais paulistas com destaque para o samba de bumbo. 

Rosa Liria Pires Sales, sua companheira, lembra que no ponto de cultura ele trabalhava a questão das matrizes africanas com as crianças, adolescentes e os mais velhos, onde eram ministradas oficinas, formação, dança, pesquisas, cultura digital, entre outras coisas. “Neste processo dos Pontos de Cultura ele foi uma pessoa bem representativa. O pessoal dizia que ele era articulador, agregador e generoso. Era o ‘mestre’, muitos vinham pedir conselhos, era uma referência mesmo.”

Mestre Alceu entrou com pedido para o Samba de Bumbo, tradição que aprendeu com o avô, fosse considerado patrimônio imaterial em Campinas e, dois dias após seu falecimento, a solicitação foi avalizada no Diário Oficial da cidade. Rosa agora é Detentora Mestra do Samba de Bumbo Campineiro Nestão Estevam, legado de Mestre Alceu (In memoriam), que está prestes a ser reconhecido também pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). “E foi isso que ele sempre quis, que não se deixasse acabar a questão ancestral, de não acabar a memória.” E quando surgem dificuldades, Rosa lembra que sempre que Alceu terminava uma reunião criava um jargão e um dos mais famosos é o ‘vai melhorar’. Em um pós-pandemia, esta ideia — e ensinamento — faz todo sentido.